sábado, 14 de novembro de 2009

O presunto comido por engano

O presunto comido por engano

Em 1975 eu e o meu irmão José éramos professores em Mogadouro, ele no Ciclo Preparatório e eu no Liceu, a funcionar no espaço do antigo colégio criado pelo Sr. Padre Varizo e que também era nessa altura o seu Director.

Desses tempos guardo as melhores recordações, seja pelo facto do companheirismo e amizade que nutríamos pelos nossos colegas professores, seja pela nossa juventude com a vida à nossa frente ao virar da esquina, seja pelas das grandes esperanças que alimentávamos para o nosso país, recentemente renascido pela revolução dos cravos, ocorrida um ano antes.

Eram outros os tempos e os costumes. Apesar de tão perto de Brunhoso, pelo facto de não termos carro, tínhamos alugado um quarto na casa que um conterrâneo, ali para os lados do hospital.
E a vida corria com toda a normalidade.
Custa-me a relatar este acontecimento por quase todos os seus intervenientes terem falecido e no decorrer do tempo me ter tornado seu amigo. Não creio trair a sua memória nem ter o boçal preconceito de faltar ao respeito só por relatar uma situação que é bastante caricata.

Devíamos estar em Maio, perto do final do ano
Um belo dia o chegar a casa veio a Senhora Alice, nossa hospedeira, dizer-me que estava ali uma lembrança, que pela forma do embrulho devia ser um presunto, deixado pela mãe de um aluno da aldeia de ….
- Antoninho (era assim que a D. Alice me chamava), está aqui uma lembrança para si, deixada pela mãe de um aluno seu, a ver o que pode fazer por ele.

- Como é que a senhora aceitou ficar com isso, D. Alice? A senhora conhece-me, conhece os meus pais, como é que pode sequer pensar que vou passar um aluno que não mereça. Nunca devia ter ficado com isso!

- Não foi por mal, Antoninho, mas a senhora queria tanto que aceitasse. Ela nem o conhece, mas o filho fala-lhe tão bem do senhor, que ela achou por bem recompensá-lo.
- Ora diga-me lá então Dona Alice, quem foi que deixou isto para eu lho levar e a dar-lhe um bom raspanete.
- Olhe foi a senhora …, esposa do Sr. João Gomes (nome fictício).

Isto deu-me que pensar. O filho do Sr. João era efectivamente meu aluno, só que era o melhor aluno da turma, rapaz estudioso, bem comportado e inteligente. Que gesto bonito! Um aluno que não precisava absolutamente nada, estar a lembrar do seu professor!

- Dona Alice, deixe ficar, o filho dessa senhora é o melhor aluno da turma, bem comportado, não precisava de nada disso. Mas se ele se lembrou de mim e quer assim tanto que aceite, olhe Dona Alice, este presunto vais ser comido por mim e pelos meus colegas.



E assim foi, combinei com os colegas professores do Liceu e do Ciclo e por todos comemos o presunto.
Estávamos nestes preparos quando o meu irmão veio a saber quem nos tinha dado o presunto. E então é que foram elas! Mas já nada havia a fazer! Do presunto já só se aproveitavam os ossos!

A razão do rebuliço é que a tal senhora tinha outro filho que era aluno do meu irmão, sendo ele o director dessa turma! Esse outro aluno era fracote nos estudos e parece que tinha o ano comprometido. Está-se mesmo a ver que o presunto não era para mim e nem era por causa do meu aluno! O objectivo era outro!

Não me recorda se o objectivo do presunto foi alcançado, o que sei é que o presunto foi comido por bem, em atenção a um aluno que não precisava nada daquilo.

A prova provada que aquele aluno não precisava de favores é que hoje é um distinto professor, com uma bela carreira académica.

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