sábado, 26 de dezembro de 2009

A Vingança dos Compadres de Bragança!

Em 1997, estava eu em Lisboa a fazer a Residencial e Cantina para uma Faculdade de uma das Universidades de Lisboa.
Entre as diversas partes da obra havia a instalação do equipamento hoteleiro da cozinha. Por razões que não vêm ao caso foi resolvido alterar o previsto no projecto no sentido de tornar a obra mais económica mantendo a funcionalidade prevista. Comunicada às partes interessadas, tal proposta mereceu acolhimento do empreiteiro, tendo também a fiscalização da obra dado parecer favorável. Havia apenas um senão, o arquitecto, autor do projecto, não estava pelos ajustes, considerando que a nova versão dos equipamentos não ia permitir um funcionamento adequado da cozinha em questão. O assunto foi discutido em várias reuniões sem que se tenha chegado a acordo.
O arquitecto, na sua qualidade de autor do projecto teria de aceitar a nova solução, caso contrário, nada feito.
Ao longo da execução obra, eu e o arquitecto andámos várias vezes de candeias às avessas.
Logo no início dos trabalhos incentivou-me a que procurássemos fazer uma obra com qualidade que seria sem dúvida muito importante para o meu curriculum.
Manifestei-lhe toda a minha vontade de fazer uma obra com qualidade, sendo certo que não deixaria de cumprir o que estava previsto no Caderno de Encargos e restantes peças do projecto. Já quanto ao curriculum, isso para mim seria secundário. Disse-lhe para me justificar:
- O curriculum é como os sapatos, quando se moldam completamente aos nossos pés, com a rodagem feita, então há que mudar de sapatos – estão gastos, usados, velhos – há que comprar outros! Havemos de fazer o melhor que soubermos e pudermos.

Para sanar o diferendo do equipamento hoteleiro, as diversas partes encarregaram-me de convencer o renitente arquitecto da bondade da solução alternativa.
A missão era espinhosa mas o que é facto é que consegui demover o arquitecto. Avisadas as partes e convocada nova reunião para dar conta da situação, perguntaram-me como é que tinha conseguido e se tinha sido difícil, ao que respondi:
- Não foi difícil, apliquei-lhe o método da vingança dos compadres de Bragança!
- O método da vingança dos compadres de Bragança? Tem que explicar isso!

Aqui senti-me acabrunhado porque o representante do Dono de Obra era uma senhora, e para relatar a cena, teria que entrar em situações e ideias pícaras e grotescas. Isso mesmo dei a entender na escusa de revelar o método.

- Que não! Não tem safa! Por eu ser uma senhora, não aceito essa descriminação! Não se justifica nos dias de hoje! Se por outra qualquer razão não quiser contar, eu aceito. Agora por eu ser mulher, aí não, não aceito, nem sequer desculpo, tem que contar!

Estava-se neste impasse, quando lhes disse:
- Pois então, eu vou contar, mas não diga que não avisei!

“Ia o tio Joaquim e a sua comadre Maria à Feira de Bragança. Eram os dois nados e criados numa aldeia distante da sede do concelho e iam à feira numa carroça puxada por uma junta de machos. Estava um dia de muito calor e na pachorra do andamento da carroça, parecia que nunca mais chegavam a Bragança.
Esgotados os assuntos correntes da vida destes compadres, deram em ficar calados um bom bocado, remoendo cada para seu lado as preocupações das suas vidas. Nisto lembrou ao tio Joaquim uns rumores que corriam na aldeia nada abonatórios para a sua honra, assim como da sua comadre Maria. E resolveu falar do assunto à sua comadre:
- Olha comadre, já viste a nossa desgraça, dizem na aldeia que o teu (marido) e a minha (mulher) nos andam a enganar! A mim bem me custa!
- Também a mim compadre. Mas deixa lá! Isto há-de lhes passar e depois volta tudo ao normal! Não te apoquentes demais.
- Pois é comadre, mas custa. A mim às vezes apetecia vingar-me dela. E olha vamos aqui os dois, o que podíamos era vingarmo-nos deles. Não achas?
- Nem penses nisso compadre, eu sou uma mulher séria! Por ser enganada não vou fazer-lhe o mesmo! Até te levo a mal teres tido esse pensamento!

O tio Joaquim voltou a ruminar. Mais à frente voltou à carga:
- Pois o teu e a minha andarem-nos e enganar é que não está certo!
- Compadre! Acaba com isso que te faz mal!
- Mas não está certo, comadre. Nós podíamos vingar-nos e era bem feita para não andarem a fazer caçoada de nós!

E tanto rezingou que a tia Maria cedeu:
- Compadre, vamos então a uma vingadela!
Pararam as bestas, e ali atrás de umas carvalheiras, ela arregaçou as saias e ele desceu as calças e catrapumba. Os dois vingaram-se! Uma vingadela como deve ser!

E retomaram a caminhada para Bragança, agora em silêncio pela situação da honra restaurada, no entender deles.

Mas Bragança ainda era tão longe! Ao tio Joaquim acorria-lhe a visão das carnes roliças da sua comadre e voltaram-lhe as ânsias de nova vingadela:
- Comadre, já estamos um bocadinho vingados da desonra do teu e da minha, mas havíamos de nos vingar outra vez. Afinal a desfeita que nos fizeram não se lava assim tão depressa.
- Acho que tens razão compadre! Pois vingamo-nos outra vez!

E novamente pararam a carroça e atrás de umas estevas, repetiram o acto de vingança sobre os seus cônjuges.
E partiram de abalada outra vez, rumo ao seu destino pois iam à feira de Bragança.

Passado um bom bocado, à tia Maria chegaram-lhe novamente as ânsias carnais pois, vinganças à parte, tinha gostado dos enlaces como seu compadre. Era agora a sua vez de reclamar vingança:

- Pois compadre Joaquim, não está nada certo que a tua e o meu nos tenham andado a enganar. Acho que ainda havíamos de nos vingar mais!

- Pois vingar, vingaremos comadre, mas eu não sei se ainda terei rancor!”

E foi este o método que usei para demover o arquitecto:
Na nossa reunião começou cheio de gás, que a solução lhe adulterava o projecto, que os equipamentos assim e assado, frito e cozido. E eu calado! Deixava-o ter razão, apenas lhe dizia que a solução alternativa tinha o acordo de toda a gente! E ele deambulava sobre o espírito da sua obra.
Voltava depois à carga a defender a sua solução, e eu calado, novamente lhe transmitia a ideia anterior.
E farto de ter razão e de discutir o assunto, acabou-se-lhe o rancor e disse-me:

- “Pois façam lá o que entenderem e transmita ao Dono de Obra e à Fiscalização que eu aceito a vossa solução!”






FIM

Leça do Balio, 26 de Dezembro de 2009
António Magalhães