quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Benzedura do tio Íris
Podes ir à vontade, mas com cuidado!


Como dizem os espanhóis, as bruxas não existem, mas que as há, há.

A história que vos vou contar está relacionada com a cura de um macho que tinha uma maleita qualquer. Não comia.
Passou-se numa pequena aldeia de um concelho a Sul do Douro por volta de 1980 e picos.

O dono do macho já tinha consultado o veterinário da vila que lhe receitara uns remédios e uns xaropes. Mas nada de resultados, a besta continuava sem vontade de comer. Devia haver ali mau olhado ou outra coisa parecida resultado do mal de inveja. Para essas malinas não havia remédios de veterinário que resolvessem.

Havia na povoação vizinha um entendido em rezas, um bento, que curava coxos, fazia aparecer coisas desaparecidas e outras coisas mais.
Apesar de o dono não acreditar muito nessas coisas que lhe pareciam feitiçarias, a mulher tanto lhe azucrinou os ouvidos que lá foi ele pedir ao tio Íris (era este o nome do bento a que me referi acima) para ver o macho.

Quando cheguei à aldeia estava o tio Íris a tentar resolver o caso. Tinha mandado cozer umas maçãs para acicatar o apetite do animal. Já tinha feito as rezas, mas sem resultado, o animal continuava sem qualquer intenção de mordiscar as maçãs cozidas, quanto mais comê-las. A partir daqui tornei-me um espectador atento. Será que as mezinhas caseiras teriam eficácia onde os remédios da farmácia tinham falhado?

Nisto o tio Íris chamou de parte o dono da besta (o tio Alberto) e disse-lhe:
- Alberto, vê se arranjas modo de tirar daqui a tia Maria Rosa, senão não consigo fazer nada.
O tio Alberto chamou a mulher e transmitiu-lhe o recado. Esta foi chamar a sua comadre e a pretexto de qualquer assunto, as duas saíram da zona de intervenção do tio Iris.

E o que é certo é que logo a seguir o macho começou a comer as maçãs cozidas. Isto digo-vo-lo eu que estava lá e vi com estes dois que a terra há-de comer. Custou-me a acreditar mas, juro, foi o que aconteceu.
Depois dos conselhos sobre o tipo de alimentação que devia dar ao macho nos próximos dias, deu a consulta por terminada. Consulta é um modo de dizer porque o tio Íris fazia estas coisas sem nada cobrar. A única coisa que aceitava era que o fossem buscar e levar à sua terra e às vezes uma garrafita de aguardente.

Chegou a altura de o tio Íris se ir embora. Coube-me a incumbência de o levar no meu carro à sua terra. Na viagem fomos falando de tudo e de nada e quando estávamos perto disse-me para lhe dar uma madeixa do meu cabelo que me ia fazer uma reza, para nada me acontecer na viagem para Mogadouro.

Esta é que eu não esperava! O que é que eu faço? Dou-lhe a madeixa e o assunto acaba aqui? Digo-lhe que não acredito nos seus poderes sobrenaturais? Em qualquer dos casos não me agradava ter que discutir com ele esta situação.
Num lampejo saio-me com esta tirada:
- Então o senhor com os seus poderes precisa de uma madeixa para me fazer a reza? Eu estou aqui à sua beira, vamos os dois no carro, não há nada a estorvar a sua acção. Acho que pode fazer a reza pois acho que tem poderes para isso.

- Acho que tem razão! - disse-me.

Depois de alguns minutos em silêncio, deve ter rezado baixinho, voltou a dizer-me:
- Olhe, vá com cuidado, mas não lhe vai acontecer nada de mal na viagem para Mogadouro. E mais lhe digo, continuou, nem hoje nem nunca! Mas vá com cuidado.

Enternece-me recordar este episódio da bondade de um homem que acreditava no que fazia. Se é verdade que na aldeia se contavam alguns casos que o tio Íris não tinha conseguido resolver, também se contavam outros em que a sua intervenção tinha obtido os resultados esperados.

No que me diz respeito, passados cerca de vinte e tal anos, nada tenho a assinalar no que toca a acidentes na estrada. O que não é nada de desprezar se atender ao facto de na minha vida profissional ao longo destes anos ter percorrido umas boas centenas de milhar de quilómetros.

Aqui chegado quero relatar duas situações de acidentes em que, não sei como, fui poupado tanto eu como a viatura.
A primeira aconteceu em Rossas de Bragança. A estrada tinha uma boa camada de neve e debaixo desta havia gelo. Para os entendidos aqui estava a ratoeira perfeita para o acidente.
Na estrada seguíamos em direcção a Bragança três carros, sendo eu o condutor que ia no meio. Junto à estação de Rossas, na curva virada a Norte, toda branquinha de neve e gelo. O condutor perdeu o controlo da viatura e atravessou-se na estrada, ocupando as duas faixas. Logo a seguir seguia eu. O que é que eu faço agora? De relance vi a valeta baixinha e toda branquinha e por instinto guinei para lá e aí fiquei parado. De seguida ouvi um estouro, o carro que me seguia foi embater na viatura que se tinha atravessado. - Eu até travei com o travão de mão, quanto mais com o de pé – disse o terceiro condutor. Três carros na estrada em que o primeiro e o terceiro embatem poupando completamente o que ia entre eles!


Anos mais tarde no Porto, num cruzamento com semáforos, aguardava a abertura do sinal verde para virar à esquerda. Formou-se uma fila em que à minha frente estava um autocarro e atrás de mim vários carros. Aguardávamos a abertura do sinal para avançarmos. O sinal ficou verde e começámos a andar. Tinha andado cerca de quatro metros quando ouvi um estrondo e vi pedaços de plástico a voar por todo o lado.
O que é que tinha acontecido? Houve um carro, vindo em sentido contrário que foi embater violentamente no autocarro e que foi embater no carro que estava atrás de mim e que naquele momento ocupava a posição onde eu tinha acabado de deixar para ocupar o lugar do autocarro que entretanto tinha andado mercê do sinal verde.

Convocado como testemunha do acidente o agente da autoridade perguntou-me qual o sinal que estava virado para nós, tendo-lhe respondido que estava verde, sugerindo que para o outro condutor o sinal talvez também estivesse verde, mas verde tinto! - Que não - disse-me o agente - o teste de alcoolemia nada acusou!

Não sou muito de acreditar nestas coisas, mas que continue a bênção do tio Íris.

Um outra vez em que tinha ido tratar da vinha aconteceu-me outra situação em que o tio Zé Manuel, de Brunhoso, que também era endireita, benzia coxos curava certas maleitas do corpo e do espírito, me ajudou a encontrar a carteira.
Nesse dia, um sábado, tinha vindo de Mogadouro para Brunhoso para tirar os bravos à vinha do Urzal, ali ao lado de Remondes. Como era hábito, fui a casa dos meus pais e mudei de roupa. Tínhamos sempre roupa de trabalho ( mais velha) em casa da minha mãe para estas coisas da lavoura. Mudei-me, fui à vinha fazer o que tinha a fazer e no final do dia, voltei a vestir-me e abalei para Mogadouro.
Aí chegado, vi que não tinha comigo a carteira. Telefonei à minha mãe para ver se tinha deixado a carteira no quarto. A minha mãe foi ver e nada encontrou. Resolvi voltar a Brunhoso para, reconstituindo os meus passos, procurar a minha carteira.
Entretanto a minha mãe já tinha ido consultar o tio José Manuel Azevedo para ver se conseguia saber alguma coisa. O tio Zé "arresponsou" a carteira e viu que estava bem
Quando cheguei, a minha mãe relatou-me o que o tio Azevedo lhe dissera:
- Ele que procure bem, porque a carteira está da mão dele, está de bem. Ninguém mais lhe tocou sem ser ele. Ele que procure por onde andou.

Assim fiz. Fui ao quarto e em cima da mesinha de cabeceira, debaixo de um pedaço de jornal velho que me lembrava de ter estado a ler, lá estava a carteira! Abençoado tio José Manuel Azevedo.

Aqui chegado quero relatar uma situação em que a minha mãe deu pela falta de uns salpicões que a minha mãe me tinha feito, como era normal nos anos em que andei por Mogadouro. Depois de feitos e afumados com lume feito de estevas, estavam prontos a ser guardados e, quando se desse a ocasião, comidos.

Depois de retirados das varas do fumeiro foram devidamente arrumados e pendurados para poderem apanhar mais algum fumo.
Como já era tempo de os ir buscar, fui a Brunhoso e a casa dos meus pais, que não estavam. Tinham ido à horta de Vale de Cabo. Demorei-me por lá um bocado e como ainda não tinham chegado, regressei a Mogadouro.
Como o meu irmão Francisco ainda ficou em Brunhoso, pedi-lhe que dissesse à mãe que tinha levado os salpicões. Mas o meu irmão também saiu de Brunhoso antes de os meus pais chegarem.
Quando a minha mãe veio e não viu os salpicões, pensou logo no pior. Novamente foi ao tio José Manuel, que lhe disse, após ter feito os responsos apropriados, que os salpicões estavam em boas mãos.
Quando o meu irmão me disse que não tinha visto os meus pais, telefonei à minha mãe para que não estivesse em cuidados quanto aos salpicões. Foi aí que me contou que já estava descansada pois sabia que estavam em boas mãos.

Presto aqui esta singela homenagem àqueles homens santos do nosso povo a que chamávamos bentos.

FIM


Leça do Balio, 10 de Junho de 2010

Parece que a benzedura do tio Iris já perdeu a validade, ou então só se referia a atos como condutor. No dia 18/12/2018 quis a sorte madrasta que eu e a minha esposa fossemos atropelados numa passadeira. Passados quase dois anos estamos bastante recuperados, graças a Deus.

Leça do Balio, 15 de Dezembro de 2020


António Magalhães

2 comentários:

  1. Já conhecia a essa história do tio Íris e do macho...e a dos acidentes também. Agora, a dos salpicões, essa nunca tinha ouvido! Isso não se faz!!! Assambarcar assim os salpicões dessa maneira!

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  2. Mas os salpicões estavam em boas mãos! E estavam, e que bem souberam!

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